quarta-feira, janeiro 26, 2005
AINDA OS POSTS D' O ACIDENTAL SOBRE O RICARDO: Podia dizer “eu também não gosto que o Ricardo seja de esquerda, mas apesar disso, sou amigo dele, que diabo! Pois se ele até é bom rapaz!”. Mas isso é ser paternalista. Aliás, se escrevo isto, não é em defesa do Ricardo. Ele não precisa de quem o defenda. Ele sabe tudo sobre defender-se. Até porque fui eu que lhe ensinei. Como disse, ele não precisa de paternalismos.
Escrevo como colega. Ora bem, como colega, acho estranho que se diga que um humorista não deve ter aspirações políticas. É que eu gosto de manter as minhas possibilidades em aberto e já se sabe que, em Portugal, às vezes é necessário ter dois empregos para ganhar algo que se veja. De maneira que, a aceitar a teoria d'O Acidental, vejo as minhas escolhas limitadas.
Aliás, não é só em Portugal. Parece que o Ronald Reagan (que, diz-se, era actor) resistiu bastante até revelar as suas posições políticas, porque ao fazê-lo, deu de barato o seu bem mais precioso: a imagem de um símbolo nacional, que já não era só dele e deveria poder ser de todos os admiradores – incluindo os Democratas. Enfim. Mas nem todos gostam do Ronald Reagan e não sei se o PPM ou alguém d'O Acidental gostará. (Também não sei se a impossibilidade de tornar públicas as simpatias políticas é exclusiva dos humoristas, não valendo por isso os exemplos de actores, mesmo que tenham participado em comédias. Nesse caso, esqueçam o Reagan).
Isso de achar que as posições políticas são só para os políticos – e, vá lá, para os jornalistas – é uma atitude que – e escritores, ok, também pode ser para escritores – cheira a uma coisa antiga – ah! E advogados. Advogados também as podem ter – que é o corporativismo.
Mas dou o benefício da dúvida à rapaziada do Acidental. Sei que não fizeram por mal. Dizer que um humorista, por o ser, não deve ter posição política é tão bizarro como, sei lá, dizer que uma pessoa, por não ser pai, não deve ter opinião sobre o aborto. E eu acho que todos sabemos o que é que O Acidental pensa sobre isso. ZDQ
posted by Gato 3:28 da tarde
ESCLARECIMENTO DEMORADINHO: Sou mencionado em 5 dos últimos 18 posts d’ O Acidental. E eu a pensar que não me podia acontecer pior que a capa do 24 Horas… Tivesse eu sabido que um simples jantar iria causar tanta comoção e há muito que teria enviado à equipa d’ O Acidental um plano detalhado de todas as minhas refeições. Vejamos o que dizem desta vez.
Paulo Pinto Mascarenhas insiste em censurar o meu comportamento:
Ao aceitar dar a cara pelo Bloco de Esquerda, está também a dar de barato o seu bem mais precioso: a imagem de um símbolo do bom humor nacional que já não é só dele e deveria poder ser de todos os admiradores – incluindo os que são do CDS.
Aparentemente, e por razões misteriosas, a minha imagem (seja isso o que for) já não é só minha. É curioso que PPM, sempre tão cioso da propriedade privada, queira agora nacionalizar-me a imagem. E porquê? Porque os meus admiradores que apoiam outras forças políticas não gostam de me ver apoiar esta – e, no concurso de popularidade em que subitamente me vejo metido, isso joga contra mim. Sobre os meus putativos admiradores, devo dizer duas coisas. Primeira: que tenham juízo e aproveitem para ir admirar alguém que seja verdadeiramente digno de admiração. Segunda: se não toleram que eu pense de maneira diferente deles, será que se podem chamar “admiradores”?
Pergunto-me, aliás, se isto funciona só com a política. Suponhamos que, em lugar de ter manifestado apoio ao Bloco de Esquerda, eu tinha revelado publicamente a minha predilecção por bacalhau à lagareiro. Ser-me-ia isto permitido? Ou deveria manter sigilo sobre o assunto, para não melindrar os admiradores que preferem o fiel amigo cozinhado de outras maneiras – e que por isso mesmo iriam sentir-se espoliados da minha imagem, coitados?
Pergunto-me, em segundo lugar, se isto funciona só comigo. Por exemplo, seria justo que eu dissesse o seguinte: “Admirava imenso o Paulo Pinto Mascarenhas. Mas, ao aceitar escrever os discursos do Paulo Portas, deu de barato o seu bem mais precioso: a imagem de um símbolo do bom jornalismo nacional que já não era só dele e deveria poder ser de todos os admiradores – incluindo os que são de esquerda. Ele não devia ter aspirações políticas”? Não tenho nada contra jornalistas que manifestam preferências políticas, atenção. Mas acho extraordinário que seja um jornalista a dizer-me que eu, como humorista, tenho deveres de imparcialidade e recato.
Com o Luciano Amaral, o caso é ligeiramente diferente. O Luciano concede-me o direito a ter opiniões políticas, desde que não sejam estas. Baseia esta proibição numa entrevista que dei ao 24 Horas. “Entrevista”, diz ele – e admito que é o que parece. Na verdade, foi uma conversa de dez minutos ao telefone com um jornalista que me contactou dizendo que pretendia esclarecer a minha presença no jantar do Bloco (os jornalistas do 24 Horas e a malta d’ O Acidental têm obsessões muito parecidas). Deu naquilo. Paciência. Quem se regalou foi o Luciano:
O RAP não deve saber, mas aquilo que fizeram ao Edgar Correia e ao Carlos Brito é uma brincadeira de crianças comparado com aquilo que o PCP e os outros partidos comunistas por esse mundo fora fizeram a milhões e milhões de pessoas.
Um clássico. Como é possível continuar a ser comunista depois de todos os horrores praticados por comunistas em todo o mundo? Para mim, que sou um marxista não-leninista, é um argumento particularmente absurdo. Não vejo que haja qualquer nexo de coerência entre considerar que as críticas de Marx à sociedade capitalista são acertadas e aprovar o que fez Estaline. Do mesmo modo, não é verdade que é possível continuar a ser cristão depois de todos os horrores praticados por cristãos em todo o mundo? Ou é forçoso que quem segue a doutrina de Cristo se reveja em Torquemada?
Finalmente, a inquietação “Dúvida rapidinha”, de Rodrigo Moita de Deus. Diz ele: “Terá o Ricardo Araújo Pereira gerado vida para agora ir aos jantares do Bloco?” A questão é, sobretudo, elegante: terei eu tido uma filha para agora poder frequentar jantares políticos? Ainda impressionado com o bom gosto da insinuação, percorro mais alguns posts d’ O Acidental e dou com RMD a escrever:
Egas Moniz ofereceu o pescoço, Martim Moniz o torço [sic] e Francisco de Almeida as barbas.
Confesso que contorço o torso a rir do torço de Martim Moniz. É sabido que a desgraça alheia tem graça sobre tudo o resto. E a desgraça dupla do pobre Martim Moniz, cujo torso foi primeiro entalado pelas portas dos mouros e agora pelo dicionário do Rodrigo, tem graça a dobrar. Sei que estas mesquinharias acerca da ortografia do escritor Rodrigo Moita de Deus são provocações baratas. Mas que outra coisa são os considerandos sobre as minhas motivações para gerar vida? RAP
posted by Gato 5:04 da manhã
domingo, janeiro 23, 2005
PORTUGAL VAI TER UM RUMO E EU TAMBÉM: Gosto imenso que me digam o que devo e não devo fazer. Constato agradecido, embora não sem surpresa, que há cada vez mais gente interessada em fornecer-me orientações de vida. E quando o autor do ditame é uma pessoa com a estatura de um Paulo Pinto Mascarenhas, percebo que a minha existência pode, finalmente, começar a fazer algum sentido. Escreve PPM n’ O Acidental:
O Bloco Fedorento
Depois de ver o famoso comediante Ricardo Araújo Pereira num encontro do Bloco de Esquerda, pergunto-me se ele é o Gato de Esquerda ou o Bloco Fedorento.
[PPM]
PS. Eu sei que a piada não tem graça nenhuma, não se preocupem, que eu não tenho aspirações a humorista. Só que o humorista também não devia ter aspirações políticas. (…)
Por aqui se vê o desgoverno moral e ético em que andava a minha vida. Em primeiro lugar, devo confessar a minha ignorância: desconhecia que, estando presente num jantar de apoio ao Bloco de Esquerda, eu manifestava uma “aspiração política”. Estava sinceramente convencido de que a minha presença num jantar de apoio exprimia – calculem – a intenção de apoiar. Mas não quero fazer a rábula do ingénuo. Quando aceitei o convite do Bloco para jantar eu tinha, evidentemente, uma aspiração, que era esta: uma digestão sem sobressaltos. Mais concretamente, aspirava ao seguinte: mastigar os víveres, degluti-los, e esperar que estômago e vísceras adjacentes levassem a cabo um trabalho sério e competente. Contudo, em se tratando de um jantar político, as próprias vitualhas ficaram contaminadas de política – e aquela que, numa refeição normal, seria apenas uma aspiração, digamos, digestiva, transformou-se numa aspiração eminentemente política.
E esta constatação leva-me à segunda confissão de ignorância: não fazia ideia de que “o humorista não devia ter aspirações políticas”. Desgraçadamente, não li o Código Deontológico do Humorista (falta da qual aproveito para me penitenciar) e por isso acreditava que, quer para os humoristas, quer para os outros profissionais, valiam as mesmas regras da… Como é que se chama aquilo? Democracia, é isso. Assim sendo, quero agradecer duas vezes a PPM: uma, por me fazer ver que, 30 anos depois do 25 de Abril, ainda há quem deva e quem não deva ter aspirações políticas – e que eu pertenço ao grupo dos que não devem (a não ser, desconfio, que passe a apoiar o partido de PPM); outra, por, ao fim de quase dois anos de blog, me ter dado pretexto para escrever as palavras “víveres” e “vitualhas”, pelas quais nutro particular afeição. Obrigado e obrigado. RAP
posted by Gato 3:03 da manhã